Apresentação

 

           Educação de qualidade tem sido bandeira de luta de movimentos sociais, organizações da sociedade civil, governos das diferentes esferas, gestores, parlamentares e todos os outros atores que lidam direta ou indiretamente com a questão educacional. No entanto, sabe-se que qualidade educacional é um conceito polissêmico, em disputa, ainda que esta disputa seja timidamente explicitada. As instituições responsáveis pela realização da presente Consulta sobre Igualdade Étnico-Racial nas Escolas, tomam como assertiva que somente é possível haver educação de qualidade se esta for efetivamente para todos e todas. Ou seja, a eqüidade é uma dimensão inerente à qualidade educacional.

            Nesse sentido, eqüidade significa não apenas garantir acesso universal à escola mas, principalmente, que a permanência e o sucesso na trajetória escolar ocorram a partir da existência de um ambiente propício, de um projeto político-pedagógico e de um currículo que respeite e celebre a diferença e a diversidade.

            No que diz respeito à  questão étnico-racial, números e indicadores de diversas estatísticas demonstram que ainda existem enormes disparidades e desigualdades entre pessoas brancas e negras, o que nos coloca desafios. No Brasil, entre os analfabetos absolutos acima de 15 anos, estão 7,1% de brancos e 16,9% de negros (pretos e pardos), de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais de 2004 do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando consideramos o analfabetismo funcional, menos de quatro anos de estudo, 32,1% de pretos e 32,5% dos pardos encontram-se nessa condição contra o percentual de 18,4% da população branca.

            Na educação infantil, considerando o acesso à escola para crianças de 0 a 6 anos, as taxas de atendimento são de 10,3% entre brancos; 9,5% entre negros e 8,3% entre pardos (Censo 2000/IBGE). Além disso, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostra que, apesar da proximidade no número de matrículas no ensino fundamental para negros e brancos (94,7% para brancos e 92,7% para negros), a evasão escolar é maior entre os alunos negros. Por fim, os Indicadores Sociais do IBGE apontam que, entre os estudantes de ensino médio, a quantidade de brancos é quase o dobro da de pretos e pardos (52,4% para 28,2%), e no ensino superior os brancos estão cerca de quatro vezes mais presentes que os negros (15.5% contra 3,8%).

            A despeito de algumas mudanças promissoras é flagrante a necessidade de investimentos que possam garantir educação de qualidade para todas as pessoas, o que não se faz sem enfrentar a existência do racismo e dos efeitos que provoca.

            A Lei 10.639/03, promulgada em 09 de janeiro de 2003 – que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e inclui no currículo oficial dos estabelecimentos de ensino básico das redes pública e privada do país, a obrigatoriedade de estudo da temática História e Cultura Afro-brasileira - é considerada um marco na luta pela superação da desigualdade racial na educação pública brasileira. Tanto a Lei 10.639/03, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aprovadas posteriormente em março de 2004 pelo Conselho Nacional de Educação mostram-se importantes medidas de ação afirmativa respondendo a um conjunto de reivindicações históricas de pessoas e grupos que há quase cinco séculos pautam a necessidade da efetivação de políticas públicas capazes de transformar a nossa realidade, ainda racista e excludente.

            Reconhecendo o potencial ímpar da Lei 10.639/03, e das Diretrizes, para impulsionar mudanças estruturais no cenário educacional desenhado pelas estatísticas já  citadas, a Ação Educativa, o CEERT e o CEAFRO, em parceria com o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib) e o Núcleo de Relações Étnico-Raciais e de Gênero da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, uniram forças para idealizar e aplicar uma Consulta em escolas públicas que pudesse assinalar as possibilidades e os desafios para a implementação referida Lei.

            A Consulta, realizada entre agosto de 2005 e julho de 2006, foi idealizada em consonância com o teor da Resolução do Conselho Nacional de Educação do que destacamos particularmente o 1º e 2º parágrafos do Artigo 2º:

            Parágrafo 1º:  “A educação das Relações étnico-raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira”.

           Parágrafo 2º:  “O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira ao lado das indígenas, européias e asiáticas”. 

            A Consulta foi realizada em São Paulo, Salvador e Belo Horizonte, junto a um total de 15 escolas de educação infantil e ensino fundamental I e II, da rede municipal de ensino. Foram ouvidos alunos/as do último ano da educação infantil bem como da 4ª e 8ª série, professores/as, coordenadores/as pedagógicos, diretores/as, funcionários/as e pais, mães ou responsáveis. A intenção de ouvir a voz e reconhecer a comunidade escolar como sujeito de direitos, que expressa posições e que pode apontar caminhos, é central na concepção da Consulta. Este livro, dirigido para todas as pessoas envolvidas no processo educacional, quer justamente publicizar estas vozes e opiniões, com o intuito de contribuir para o aprimoramento das políticas públicas, conteúdos programáticos e práticas educacionais comprometidos com a reeducação das relações étnico-raciais e com o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.

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